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sexta-feira, 22 de julho de 2011

Eletroacupuntura na Depressão

Clinicamente, a depressão pode ser tratada com terapia, com medicamentos ou com a associação desses dois recursos. Embora eficazes em muitos casos, essas estratégias não melhoram de forma significativa o quadro clínico de muitos pacientes. Por outro lado, os medicamentos antidepressivos podem apresentar efeitos colaterais e só iniciam seus efeitos clínicos após algumas semanas de uso. Nesse contexto, fica evidente a grande importância de se pesquisar outras estratégias para o tratamento da depressão, principalmente entre as medicinas complementares, que vêm mostrando efeitos animadores em várias áreas da saúde.

A acupuntura é uma forma milenar de tratamento que teve origem na China há mais de 3 mil anos e que tem sido praticada de forma ininterrupta até os dias atuais. Essa técnica, além de ter sua eficácia comprovada clinicamente e de contar com a aceitação popular, vem ganhando reconhecimento no meio científico, em função dos resultados convincentes de grande número de pesquisas, principalmente estudos experimentais com animais de laboratório, que têm desvendado importantes etapas do seu mecanismo de ação.
Uma série de trabalhos descreve que o estímulo de pontos de acupuntura, seja por meio da simples inserção de uma agulha (acupuntura manual) ou pela estimulação elétrica dessas agulhas (eletroacupuntura), é capaz de induzir alterações no funcionamento do sistema nervoso central, modulando a liberação de substâncias específicas (os chamados transmissores). Essas substâncias são fundamentais para as atividades não só do sistema nervoso central, mas de todo o organismo. Os transmissores controlam a condução dos impulsos nervosos e coordenam a função dos órgãos internos (sistemas circulatório, respiratório, digestório, reprodutor e hormonal), além do comportamento psicológico.
Sabe-se que existe uma relação direta da acupuntura com a liberação de neurotransmissores, entre eles os opioides (encefalina, endorfinas, dinorfina), a bradicinina, a serotonina, a adrenalina, a noradrenalina e outros. Na depressão, embora ocorra alteração nos níveis de várias dessas substâncias, a serotonina tem recebido, sem dúvida, maior atenção: grande parte dos medicamentos antidepressivos atua por meio da modulação, direta ou indireta, do sistema serotoninérgico – o complexo sistema neuroquímico ativado pela serotonina.
Embora existam na literatura científica alguns trabalhos sobre os efeitos da acupuntura na depressão, a maioria deles foi realizada em seres humanos (pesquisas clínicas). Nessas condições, questões éticas limitam bastante uma investigação mais acurada do mecanismo de ação da acupuntura, capaz de conferir sustentabilidade aos resultados. Além disso, as pesquisas clínicas em acupuntura, por dificuldades metodológicas, não incluem grupos-controle adequados, que permitam investigar todas as possibilidades envolvidas. Esses problemas, infelizmente, costumam comprometer a qualidade dos estudos publicados, de modo que o tema ‘acupuntura versus depressão’ ainda é controverso na literatura científica.
Visando preencher essa relevante lacuna, elaboramos um estudo experimental, em ratos, com grupos-controle bem fundamentados, objetivando: (1) investigar se a eletroacupuntura exerce, ou não, algum efeito tipo-antidepressivo; (2) comparar os efeitos da eletroacupuntura com os do antidepressivo imipramina (usado com frequência na clínica diária); e (3) investigar se a serotonina tem importância nesse mecanismo de ação da eletroacupuntura.
Para tanto, usamos dois modelos experimentais, conhecidos como ‘desamparo aprendido’ e ‘nado forçado’ e amplamente empregados em estudos científicos para avaliar os efeitos de drogas antidepressivas (ver ‘Estados de depressão’). O estudo foi realizado no Laboratório de Pesquisas Experimentais em Acupuntura da Universidade Federal de São Paulo e os resultados foram publicados na revista científica internacional Physiology & Behavior.
Para realizar a pesquisa foram constituídos nove grupos experimentais, cada um com procedimentos específicos, como descrito a seguir.
No ‘grupo-controle’, os ratos não foram submetidos a qualquer procedimento específico. A finalidade desse grupo foi representar o padrão ‘normal’ dos animais (sem comportamento tipo-depressivo) quando avaliados nos testes comportamentais.No ‘grupo Salina’, os ratos foram apenas submetidos aos modelos experimentais (desamparo aprendido e nado forçado). A finalidade foi representar um padrão de comportamento tipo-depressivo, sem tratamento.
No ‘grupo eletroacupuntura’ (‘EA’), os ratos foram submetidos aos modelos experimentais citados e também a um período de 20 minutos de imobilização, durante o qual receberam tratamento de eletroacupuntura em dois pontos corporais usados tradicionalmente nessa técnica e denominados E-36 (Zusanli, em chinês) e BP-6 (Sanyinjiao) .
No grupo ‘falsa-eletroacupuntura’, os procedimentos foram os mesmos descritos para o grupo eletroacupuntura, mas nesses animais as agulhas foram aplicadas em dois pontos corporais não incluídos entre os pontos tradicionais da acupuntura. A finalidade desse grupo foi comparar os efeitos da aplicação de acupuntura verdadeira com os da inserção aleatória de uma agulha no corpo.
No ‘grupo Imob’, os ratos foram submetidos aos modelos (desamparo aprendido e nado forçado) e a um período de 20 minutos de imobilização, sem a aplicação de agulhas de acupuntura. Como é necessário imobilizar os ratos, para que as agulhas permaneçam inseridas no corpo do animal, a finalidade foi identificar se o processo de imobilização, por si só, estaria interferindo nos resultados.
No ‘grupo Imi’, os ratos foram submetidos aos mesmos modelos experimentais e depois tratados com o antidepressivo imipramina. A finalidade foi comparar os efeitos da eletroacupuntura com os do tratamento com um medicamento.
Finalmente, foram incluídos no estudo três grupos adicionais, visando investigar a influência da serotonina sobre o efeito da eletroacupuntura. No ‘grupo pCPA’, os ratos foram apenas tratados com paraclorofenilalanina (pCPA), substância que inibe a síntese de serotonina no sistema nervoso central, sem qualquer outro procedimento. No ‘grupo pCPA+D’, os ratos foram previamente tratados com pCPA, para induzir a diminuição dos níveis de serotonina no sistema nervoso central, e a seguir submetidos aos modelos experimentais (desamparo aprendido e nado forçado), sem aplicação de acupuntura. Finalmente, no ‘grupo pCPA+D+EA’, os ratos também foram previamente tratados com pCPA e a seguir submetidos aos modelos experimentais e ao tratamento por eletroacupuntura (como descrito para o grupo ‘EA’).
Os resultados obtidos revelam que a eletroacupuntura verdadeira promoveu um efeito tipo-antidepressivo e que a intensidade desse efeito foi igual à obtida com a imipramina. Uma constatação importante foi a da ineficácia da falsa eletroacupuntura, pois isso evidencia que a ação da eletroacupuntura verdadeira decorreu da estimulação específica dos pontos de acupuntura. Finalmente, verificamos que os efeitos da eletroacupuntura verdadeira foram bloqueados pela administração de pCPA, sugerindo que a ação da eletroacupuntura, nos modelos experimentais utilizados, está diretamente relacionada com os níveis de serotonina no sistema nervoso central .
Sabe-se que os efeitos obtidos em pesquisas experimentais com animais não podem ser automaticamente transpostos para o organismo humano. No entanto, é bem conhecido que os resultados dessas pesquisas representam, quase sempre, o primeiro passo quando se pretende averiguar, com critérios científicos, a eficácia de tratamentos não convencionais, visando a sua validação para uso clínico.
Em nosso estudo, alguns aspectos interessantes podem ser observados. Em primeiro lugar, mesmo com uma excelente eficácia clínica, o uso da imipramina, assim como de outros antidepressivos, é muitas vezes limitado pela alta incidência de efeitos colaterais. Levando-se em consideração a baixíssima ocorrência de efeitos adversos relacionados à acupuntura, nossos resultados, embora de caráter experimental, são animadores. Caso os efeitos tipo-antidepressivos da eletroacupuntura observados nesse estudo, em ratos, venham a ser confirmados em estudos clínicos bem controlados com humanos, a acupuntura poderá tornar-se uma nova opção de tratamento para os portadores de depressão que não respondem satisfatoriamente aos medicamentos contra a doença.
Finalmente, é conhecido que a depressão está ligada a disfunções no sistema neurológico que envolvem a serotonina. Assim, a evidência, obtida em nosso estudo, de que o mecanismo do efeito tipo-antidepressivo da eletroacupuntura está diretamente relacionado à serotonina representa um reforço aos resultados obtidos.

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