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sábado, 1 de setembro de 2012

O ponto de Acupuntura redescoberto


Vivemos um tempo crucial. Cruzam-se aqui e agora Oriente e Ocidente, antigüidade e atualidade. Agora, um ponto de encontro entre as duas vertentes mais importantes da medicina atual, a tradicional chinesa e a ocidental hegemônica torna-se mais nítido. Antípodas aparentemente inconciliáveis, partindo de origens separadas no espaço e no tempo, convergem no mesmo ponto de fuga da perspectiva. Um ponto de encontro era previsível, mas ainda não havia sido identificado, e este é justamente o ponto – o tradicional, de Acupuntura, e o moderno, o Ponto Gatilho Miofascial.

Descobertos em contextos culturais e científicos distintos, essas estruturas anatômico-funcionais, dotadas de propriedades insuspeitadas pela ciência biológica em seus começos (pouco mais de 200 anos), apresentam similitudes em tal grau que obrigam a uma apreciação mais aprofundada.
O ponto de Acupuntura é duplamente um sítio de convergência. Carrefour de estruturas dérmicas, nervosas, músculo-esqueléticas, tecido conjuntivo não diferenciado, vasos sangüíneos, é o elemento ativo da interface corpo / ambiente externo. Enclave biológico, é também o lugar onde se encontram as medicinas provenientes da mais antiga tradição e da mais avançada ciência, apoiada em tecnologia capaz de revelar ultra-estruturas.
O conhecimento dos mecanismos fisiopatológicos da dor músculo-esquelética crônica, mais visivelmente no caso da síndrome de fibromialgia, revelou um aparente paradoxo – não se encontrou patologia muscular nessa situação clínica, sendo a natureza das anormalidades, atribuídas nos primeiros estudos a isquemia ou distúrbio metabólico manifestando-se nos pontos gatilho, nitidamente um distúrbio neural, corrigível através de estimulação direta do ponto, o que é feito milenarmente pela Acupuntura.
A natureza dos pontos de Acupuntura
O conhecimento da natureza do ponto de Acupuntura é essencial para se compreender os efeitos terapêuticos decorrentes da sua estimulação. A partir da aquisição desse conhecimento, naturalmente se obtém um avanço qualitativo da sua utilização médica.
Em termos anatômicos, os pontos de Acupuntura são sítios específicos da topografia corporal, que se apresentam na superfície como uma concavidade palpável, e na profundidade como um "canal". Funcionalmente, são dispositivos de comunicação entre o meio interno e o meio externo. Qi Xue, o nome chinês, significa "poço (ou cavidade) do Qi". Seu diâmetro varia de 1 a 5 mm na sua "abertura" superficial, e não se restringe à superfície cutânea. A profundidade pode atingir alguns centímetros para certos pontos, ou não passar de 2 ou 3 mm.
Singularidades anatômicas e fisiológicas, os pontos de Acupuntura são não mais motivo de controvérsias. São localizáveis, e apresentam equivalência em todos os sistemas médicos. Todos os pontos motores dos músculos são pontos de Acupuntura. Da mesma forma os pontos dolorosos da semiologia moderna: pontos viscerais, dermalgias reflexas, e os pontos-gatilho miofasciais.
Os pontos de acupuntura respondem a estímulos ambientais variados, que incluem variações climáticas, e podem ser usados para tratar de distúrbios provocados por esses fatores. Uma idéia atual do que é um ponto de acupuntura, descreve-o como um componente ativo da interface corpo / ambiente.
Histologia
Uma só estrutura (pele, nervo, vaso, músculo, etc.) não caracteriza o ponto. Uma transformação muito característica do tecido conjuntivo tem sido descrita, com aumento de células e da trama de reticulina, e diminuição dos constituintes fibrosos, além da presença de um complexo neuro-vascular.
Além do tecido conjuntivo superficial frouxo, a punção do ponto interessa o tecido celular organizado (fáscias e aponeuroses). Em especial as fáscias de revestimento ao nível dos membros. Sob os pontos maiores se encontra um orifício de passagem para um vaso e um nervo, orifício que prolonga de alguma forma o "poço" cutâneo do ponto de Acupuntura. Na profundidade, o tecido conjuntivo frouxo ocupa os espaços entre os órgãos, vales intermusculares onde se situam numerosos pontos.
Às vezes o tecido conjuntivo está organizado e se dispõe como septos intermusculares. Estes espaços, por onde passam vasos sangüíneos, linfáticos e nervos que freqüentemente atravessam septos e fáscias, são zonas de passagem, onde se encontram praticamente sempre os pontos de Acupuntura. Acrescente-se que tecido adiposo profundo pode completar estes espaços conjuntivos, que deve, em certos pontos, ser atingido.
Para se obter os efeitos terapêuticos resultantes da introdução e manipulação da agulha de Acupuntura no ponto, é imprescindível que esta penetre a uma profundidade variável segundo o ponto e o indivíduo, numa direção precisa, interessando portanto uma série de estruturas tissulares. Entre as estruturas profundas, os músculos e os tendões ocupam lugar importante devido à presença de fibras nervosas que estão implicadas em certos efeitos da Acupuntura.
Segundo o ponto, a agulha pode penetrar na massa muscular, deslizar entre duas massas, ou interessar vários músculos, tendões ou leitos tendino-musculares. O periósteo e as estruturas articulares também podem ser estimuladas pela punção.
Relações com o sistema nervoso
Em 1959, cientistas chineses demonstraram, em preparações histológicas, a existência de terminações nervosas livres (nociceptores) no raio de 5 mm de cada um dos 323 pontos clássicos de acupuntura entre 324 estudados. Fleck (1975), demonstrou que os potenciais de ação registrados em unidades neuronais múltiplas provocados por estímulo em pontos de acupuntura eram idênticos aos obtidos por estímulo direto do nervo.
Em 1985 Ciszek encontrou nas regiões com baixa resistência elétrica concentração maior de terminações nervosas livres do que na sua periferia e em 1988 Heine revelou que esses pontos se comunicam por fibras nervosas com a fáscia superficial e a camada músculo-aponeurótica. Takeshigue (1993) demonstrou que estimulando um ponto de acupuntura através da pele ou diretamente o nervo correspondente, os potenciais de ação evocados no SNC eram idênticos.
Levy e Matsumoto (1975) demonstraram que para a atuação da Acupuntura sobre a dor é necessária a integridade do sistema nervoso periférico, que recolhe os estímulos introduzidos pelas agulhas, afirmação que coincide com a de Chang e col. (1975) e Mc Leod (1974), segundo os quais a anestesia da área onde se aplicam as agulhas impede o efeito analgésico da Acupuntura.
Plummer (1980) mostrou que sob o ponto de Acupuntura se encontra geralmente um orifício de passagem para um vaso e um nervo. Para Bossy (1989), os vasos e os nervos representam estruturas anatômicas importantes para os pontos de Acupuntura.
Nos pontos mais importantes, diferentes níveis de profundidade da punção alcança fibras nervosas diferentes. Como exemplo, na punção do ponto Taichong, F3, localizado entre os dois primeiros metatarsianos onde se palpa o pulso da artéria pediosa, as estruturas tocadas em série, em três níveis, estimulam fibras ligadas a diferentes segmentos espinhais: nas fibras perivasculares, L1 e L2; nas fibras cutâneas, L5 e S1; e nas fibras musculares, S3.
Pontos de Acupuntura e pontos-gatilho miofasciais
O fato de até hoje não se ter encontrado substrato anatômico para os Meridianos da Medicina Tradicional Chinesa tem sido motivo de contestações, assim como dos pontos-gatilho. Mas os trajetos da dor miofascial referida apresentam notável coincidência com o traçado dos Meridianos, e as características dos pontos-gatilho coincidem com as descrições chinesas. Já em 1977 Melzack e seus colaboradores consideraram que os pontos gatilho e os pontos de Acupuntura são uma única e mesma coisa.
As coincidências podem assim ser listadas, em termos de:
Anatomia: São estruturas objetivamente demonstráveis, com estrutura típica.
Sintomas associados: São dolorosos à palpação, e desencadeiam dor referida.
Resposta terapêutica: Sua estimulação produz alívio da dor.
Localização: Não seguem os padrões dos dermátomos ou da distribuição das raízes nervosas, podendo coincidir com os miótomos ou com as cadeias musculares.
Topografia: Apresentam distribuição definida.
Patologia: Podem apresentar nodulações.
Neurofisiologia: Compartilham hiperatividade neural.
Biofísica: Possuem propriedades elétricas idênticas.
Conclusão
Aos pontos de Acupuntura se atribuem outras funções, que vão muito além das limitadas propriedades creditadas aos pontos-gatilho, e o seu tratamento está indicado não somente para as dores músculo-esqueléticas, mas, e principalmente, para promover a normalização funcional do organismo.
A prescrição dos pontos de Acupuntura, diferente da escolha dos pontos-gatilho a serem desativados (baseada no conhecimento das zonas de dor referida e verificados pelo exame físico), se faz a partir de diagnóstico que se fundamenta no exame clínico, através do reconhecimento e agrupamento de dados semiológicos em quadros sindrômicos, os quais fornecem diretrizes bem definidas para o estabelecimento das medidas terapêuticas.
Mas a importância do sistema muscular tem sido pouco reconhecida. Já por ser o lugar onde se manifestam as perturbações viscerais quando se tornam conscientes (para as vísceras não há representação no córtex somatosensório), podemos avaliar as possibilidades terapêuticas oferecidas pela manipulação dos pontos que comandam cada músculo e sua zona de referência, incluindo suas relações com os órgãos internos e com o sistema nervoso central. Logo veremos que os pontos-gatilho são muito mais importantes do que nos parece atualmente.
A Acupuntura, por sua vez, hoje pode ser definida como um método terapêutico cujo ponto de partida é a estimulação do sistema somatosensório. As ligações desse sistema com estruturas do sistema nervoso central que integram, processam, atualizam e geram respostas orgânicas adaptativas sistêmicas são muito mais importantes do que poderíamos prever há 30 anos, permitindo que atualmente possamos compreender muito melhor os mecanismos neurobiológicos de ação da Acupuntura.
Realidade anatômico-funcional incontestada, os pontos de Acupuntura ainda deverão ser reconhecidos, pela ampliação do conhecimento da fisiologia e da fisiopatologia que propiciam, e por suas vastas e ainda pouco exploradas possibilidades terapêuticas, como uma das mais importantes contribuições da civilização chinesa para a humanidade.
Fonte:http://dr-cesar.com

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